COLÔMBIA: UM JORNALISTA FORÇADO AO EXÍLIO
O portal web Periodismo sin Fronteras luta contra a censura e a auto-censura de imprensa e, ao fazê-lo, encarna a honra da profissão e presta um inestimável serviço público
Colômbia: um jornalista forçado ao exílio
O portal web Periodismo sin Fronteras luta contra a censura e a auto-censura de imprensa e, ao fazê-lo, encarna a honra da profissão e presta um inestimável serviço público
Eduardo Mackenzie (Tradução: Graça Salgueiro)
O Ministério Público acaba de cometer um novo atropelo judicial contra a liberdade de imprensa na Colômbia. O jornalista Ricardo Puentes Melo, diretor do conhecido portal web Periodismo sin Fronteras, de Bogotá, é objeto neste momento de um processo no qual careceu da possibilidade de se defender. As acusações contra ele não são só absurdas senão que, além disso, o juiz da causa antecipou a pena e impôs uma sanção econômica desproporcional, sem que o processo tenha culminado, ao decretar o embargo da casa onde o jornalista vivia e trabalhava.
O juiz argumentou que esse embargo é destinado a garantir o pagamento da indenização que a demandante exige do demandado. Em conseqüência, Ricardo Puentes teve que abandonar seu domicílio e está frente a um julgamento que rompe com as garantias processuais mais clássicas, entre elas a presunção de inocência. Esse processo põe em perigo a existência pessoal, civil e laboral do jornalista.
O pleito contra Ricardo Puentes foi instaurado há quase cinco anos pela promotora Ángela María Buitrago, e só na semana passada o jornalista foi informado de que esse processo existia. A senhora Buitrago é conhecida por ter dirigido a instrução do escandaloso processo do Palácio da Justiça que condenou, em primeira instância, o coronel Luis Alfonso Plazas Vega a 30 anos de prisão e o General Arias Cabrales a 35 de prisão, em junho de 2010, sem que a justiça tivesse podido encontrar alguma prova de culpabilidade contra eles.
O direito à informação, à livre expressão e à crítica são liberdades fundamentais de todo ser humano. A sociedade democrática protege esses direitos. Os direitos do público a saber o que acontece, a conhecer as opiniões que geram os eventos políticos e sociais, não podem existir se o Estado ou os governos de turno não respeitam o exercício do trabalho jornalístico e se não reconhecem a dignidade profissional dos jornalistas.
A perseguição que se encerra sobre o jornalista Ricardo Puentes é mais um caso, realmente escandaloso, da cadeia de abusos que estão sendo cometidos na Colômbia contra os jornalistas e contra pessoas que opinam sobre assuntos públicos [1]. Isso mostra, lamentavelmente, que a Colômbia está se convertendo em um país sem liberdade de expressão.
Ricardo Puentes é um dos principais críticos do processo do Palácio da Justiça. Após difíceis investigações, ele revelou o que nenhum outro meio de comunicação do país tinha querido revelar: que nesse processo houve falhas graves de procedimento e de garantias, e que nisso Ángela María Buitrago havia tido um papel central. Foi ela que admitiu e explorou contra o interesse dos citados militares várias testemunhas falsas. Puentes descobriu, ademais, que o Ministério Público contribuiu durante anos para manter a ficção dos “12 desaparecidos do Palácio da Justiça”, ocultando o paradeiro dos cadáveres e restos ósseos das pessoas que haviam sido assassinadas na cafeteria pelos terroristas que assaltaram o Palácio da Justiça em novembro de 1985.
Por essas e outras revelações o jornalista Ricardo Puentes deve enfrentar agora um processo que é outro exemplo de justiça politizada: um processo que estava sendo impulsionado pelas suas costas e no qual lhe impõem uma sanção econômica grave, antes de que tenha havido uma sentença condenatória.
Outro detalhe curioso: a senhora Buitrago apresentou sua demanda ante a unidade anti-terrorista do Ministério Público, sem que a ex-funcionária explicasse que relação podia haver entre a atividade do jornalista e o terrorismo. Essa unidade armou o processo contra Puentes durante quase cinco anos sem lhe dizer nada. Até o dia de hoje, Ricardo Puentes ignora quais são os crimes de “terrorismo” que a senhora Buitrago acredita poder recriminá-lo, pois o Ministério Público nunca lhe notificou da demanda, nem o convocou para que explicasse sua conduta.
Ricardo Puentes estima que, além disso, os investigadores violaram sua vida privada: “Um técnico me informou que meus telefones estavam grampeados. Escrevi ao Ministério Público perguntando se havia ordem judicial para tal intervenção. Disseram que não podiam me responder isso”. Nessas condições, o promotor anti-terrorista dedicou-se a construir um processo às escondidas e sem se preocupar em saber que elementos de defesa podiam ser juntados ao processo.
Como a documentação recolhida pelo instrutor não se encaixava na acusação, o Ministério Público transferiu o caso para outro gabinete judicial. Este terminou por reformular as acusações e na semana passada o tribunal 55 de Bogotá convocou Ricardo Puentes pela primeira vez para uma audiência. Nessa audiência ele foi notificado de que era acusado de dois delitos: “injúria agravada” e “calúnia agravada”, e que além disso devia fazer frente a outro agravante: a “contumácia” – como se a notificação tivesse sido feita e como se Puentes tivesse decidido dar as costas ao processo, o que não é certo.
Após a audiência, Ricardo Puentes escreveu a uma associação defensora de jornalistas para que tomasse ciência do assunto. O jornalista detalhou que o segundo funcionário, Danilo Arévalo, promotor delegado 224, não lhe havia notificado da intimação, (como não o havia feito o anterior) e que nunca lhe haviam proposto nem sequer a audiência de conciliação que se pratica nesses casos. “Meus direitos a ter um processo legal, quer dizer, meu direito ao devido processo, foram portanto violados”, estima o jornalista.
Ricardo Puentes conta que um dia recebeu uma misteriosa chamada telefônica. Como ele havia recebido outras (em geral intimidatórias pelos artigos que escrevia), perguntou a seu interlocutor que era ele. A voz lhe disse que era o promotor Danilo Arévalo. Puentes lhe pediu, com toda razão, que lhe ratificasse o dito por escrito e de maneira oficial pois ele havia recebido, no passado, não só ameaças de morte mas cartas falsas de perseguição psicológica. Puentes nunca recebeu notificação alguma de Arévalo, como exige o código de procedimento nesses casos. Jamais lhe enviou uma intimação, “como se pode verificar na ausência de carimbos e assinaturas de recebido das notificações que ele disse me haver enviado”, escreveu Ricardo Puentes.
Em silêncio, e de costas para o acusado, o processo seguiu seu curso. Os resultados dessa atitude arbitrária resultaram ser desastrosos para o devido processo. Na audiência da semana passada, o jornalista foi notificado pela juíza Nathalie Andrea Motta Cortés de que estava sendo acusado de “injúria e calúnia agravadas”, além do agravante da “contumácia” e que, ademais, sua casa de habitação e de trabalho, da qual ele é proprietário, “ficava embargada desde esse momento e durante seis meses”. E que, finalmente, se ele chegasse a ser condenado corria o risco de ser encerrado durante cinco anos em uma prisão. A juíza negou que tivessem violado ao jornalista o direito ao devido processo pela não notificação da intimação.
John Saulo Melo, advogado de Ricardo Puentes, considerou que o embargo do domicílio do jornalista é uma extra-limitação tanto da demandante como da juíza que concedeu esse extremo, pois decretar tal medida antes que o acusado seja vencido em juízo cria a impressão de que ele já foi condenado.
Na audiência, o Sr. Arévalo indicou a Puentes que Ángela María Buitrago havia apresentado a denúncia contra ele por um de seus artigos, publicado em setembro de 2010. A juíza omitiu toda referência à frase ou frases exatas sobre as quais repousa a acusação. Ante essa súbita avalanche de injustiças, e temendo por sua integridade física, o jornalista não teve outra alternativa que sair do país.
O portal web Periodismo sin Fronteras luta contra a censura e a auto-censura de imprensa e, ao fazê-lo, encarna a honra da profissão e presta um inestimável serviço público. É inadmissível que alguns, para se vingar contra um jornalista independente, e para proteger certos interesses políticos, queiram se desfazer de Ricardo Puentes e destruir o importante espaço de liberdade que ele criou. A instrumentalização solapada da justiça, com operações secretas e desrespeito às regras do direito, métodos dignos das piores ditaduras, deve ser denunciada e rechaçada pelas forças vivas do país, antes que seja demasiado tarde. Há outros jornalistas colombianos com processos secretos que não lhes foram notificados?
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Nota do autor:
[1] Citarei só três dos casos mais recentes de abusos e sanções excessivas do poder judiciário em matéria de imprensa. 1. Em 21 de maio de 2015, a jornalista María Isabel Rueda foi intimada para interrogatório pelo Ministério Público Federal por haver entrevistado Francisco Santos, candidato à Prefeitura de Bogotá, em 8 de setembro de 2014. María Isabel Rueda estima que tal intimação foi uma “perseguição à liberdade de imprensa” e uma tentativa de violação da confidencialidade das fontes de um jornalista. É a segunda vez que o Ministério Público emprega tal método contra Rueda. Ela também foi intimada por haver escrito sobre o assassinato do líder conservador Álvaro Gómez Hurtado. 2. Em 1 de junho de 2015, o Ministério Público 49 de Direitos Humanos deixa em liberdade “JJ”, um homem que estava detido por haver seqüestrado, torturado e violentado a jornalista Jineth Bedoya Lima em 25 de maio de 2000. 3. Gonzalo Hernán López Durán foi condenado a 18 meses de prisão por opinar sobre um assunto de interesse público na página web do diário El País, de Cali. A demanda havia sido apresentada por Gloria Escalante, diretora da Federação Colombiana de Estados. Todos os recursos apresentados por López foram rechaçados.
Nota da tradutora:
A Deputada pelo partido Centro Democrático, María Fernanda Cabal, fez uma denúncia na seção da Câmara de Representantes de Bogotá sobre o caso de Ricardo Puentes no dia de hoje (09.06), cujo vídeo pode-se ver abaixo.
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