MORREU EDGAR VILLAMIZAR ESPINEL, VÍTIMA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Edgar Villamizar era um homem rude, experiente… mas humilde e simples. Por isso acreditaram que podiam usurpá-lo sem problema
Morreu Edgar Villamizar Espinel, vítima do Ministério Público
Edgar Villamizar era um homem rude, experiente… mas humilde e simples. Por isso acreditaram que podiam usurpá-lo sem problema
Ricardo Puentes Melo – Tradução: Graça Salgueiro
Encontrar o cabo Edgar Villamizar Espinel não foi simples. Procurei-o por céu e terra para lhe perguntar sobre o suposto testemunho que ele havia dado ante a promotora Ángela María Buitrago, acusando o Coronel Plazas Vega de ordenar o assassinato dos tais 11 desaparecidos do Palácio da Justiça. Para mim era vital falar com Villamizar porque, ao longo do processo, a defesa do Coronel solicitou muitas vezes sua presença nos tribunais para que explicasse as inconsistências do mesmo. Porém o Ministério Público nunca o levou, e sempre me perguntei a razão disso.
Meu trabalho de jornalismo investigativo me levou a quatro lugares de residência de Villamizar. No último, em Soacha, ele detectou minha presença e deixou o humilde quarto abandonado. Ele havia lido minha coluna sobre seu testemunho e depois me inteiraria de que estava muito aborrecido por ela e tinha a firme convicção de que eu era um jornalista pré-pago a favor do Ministério Público [1]. Assim que, sem nenhuma outra pista que seguir, cansado da procura na qual levava quase um ano, tentei outra coisa: sendo eu genealogista, me acostumei a relacionar sobrenomes de maneira automática e a localizá-los num espaço geográfico de origem.
Comecei essa nova linha de investigação e lembrei que um jovem desse sobrenome freqüentava o Centro de Pensamento Primeiro Colômbia. Falei com ele várias vezes mas nunca o havia relacionado com o cabo. Era Fernando Villamizar, seu filho. Quando verifiquei que os nomes e sobrenomes de Fernando coincidiam com o filho do cabo Villamizar, o chamei de imediato. Fui direto e lhe perguntei se era seu filho. Ele se assustou um pouco e me disse que não podia falar sorbe o tema. Minutos depois, a pessoa que levou Fernando ao Centro de Pensamento – e que hoje é candidata por esse partido – me chamou e disse que qualquer averiguação com Fernando ou seu pai eu deveria fazê-la através dela. Ao mesmo tempo, disse a Fernando Villamizar que não me desse informação gratuita, que cobrasse muito caro porque eu me tornaria multi-milionário com esse achado.
Depois de algumas travas e de explicar-lhe que era falso que eu fosse me converter em uma espécie de Luis Carlos Sarmiento com essa nota, pude falar com Fernando frente a frente e sem intermediários. Ele não tinha clara a importância de seu pai no caso, mas se ofereceu para ajudar sempre e quando eu lhe assegurasse que não procurava fazer dano ao cabo. E assim começamos uma longa trajetória para que Edgar Villamizar acedesse a falar comigo. Fernando foi chave nisso. Falei com Edgar telefonicamente e ele me disse que já sabia que eu estive procurando-o em tais e tais lugares, e que também sabia que eu tinha fotografias inéditas. Não me prometeu nada. Disse que ia fazer suas próprias averiguações.
Quando finalmente nos pusemos em uma entrevista, onde eu trabalhava nessa época, Edgar me deixou esperando durante horas em uma tabacaria. Eu notei que alguém passava pela calçada da frente de vez em quando, e supus que era ele vigiando para que eu não tivesse lhe estendido uma armadilha. Quando entrou no local, Fernando e eu estávamos tomando algumas cervejas. Edgar chegou com cara de poucos amigos e sentou-se desafiante a meu lado esquerdo, levando a mão direita ao bolso de sua jaqueta. Intuí que tinha algo aí para me ferir, assim que pus minhas mãos cruzadas em frente ao meu rosto, para me proteger, em um gesto muito “casual”.
– Li sua coluna, – me disse – gozando de mim.
– E o que lhe pareceu?, perguntei.
– Parece-me que você é um filho da puta!, me respondeu elevando a voz enquanto aferrava o que levava no bolso.
– Mais filho da puta é você, Edgar, por dar testemunhos falsos para condenar um inocente como Plazas Vega. E não venha me insultar, porque se você quiser dar uma de macho, aqui tem outro na sua frente.
– Nunca dei testemunhos falsos! E se você está com o Ministério Público, se isto é uma armadilha, daqui não me levam senão morto, mas primeiro levo você, seu filho da puta!. Nesse momento, Fernando interveio e disse a seu pai que se acalmasse. Eu, disposto a não deixar Edgar Villamizar ir sem esclarecer isso, lhe perguntei com calma:
– Veja, Edgar, aqui não se trata de demonstrar dignidades. Tire o que tem na jaqueta e falemos calma e claramente. Se quiser, depois nos agarramos a golpes. Mas conversemos primeiro.
Edgar tirou um picotador de sua jaqueta e repetiu que estava disposto a me cravar na garganta antes de se deixar agarrar e torturar pelo Ministério Público.
Falamos com franqueza e foi quando me contou que foi usurpado pelo Ministério Público, que seus antigos companheiros do CTI o haviam procurado para que assinasse esse testemunho, e que haviam ameaçado a ele e sua família porque ele havia se negado a isso.
Durante anos, me disse, o Ministério Público o procurou por todos os lados para obrigá-lo a assinar, ou fazê-lo desaparecer. Disse-lhe que ele devia contar isso ante a justiça e ele riu-se na minha cara. Me lembrou que ele sabia como funcionava a “justiça” e que havia trabalhado no Ministério Público e havia sido testemunha da criminalidade que reinava entre vários de seus funcionários.
Contou muitas histórias mais de sua passagem pelo Ministério Público, de como foi testemunha de acordos entre promotores e narco-traficantes, de valas cheias de dólares roubados dos capos por funcionários, de seqüestros e extorsões por parte de membros do ramo judicial. Não pude convencê-lo de denunciar o Ministério Público por essa usurpação. E era óbvia sua negativa: o mesmo Ministério Público, esse que ele conhecia cheio de bandidos, o havia usurpado e ameaçado sua vida!
Deixamos o tema aí e nos dedicamos durante horas a falar sobre outras coisas. Fernando estava muito feliz de que ele tivesse aceitado falar comigo e ambos narraram as tragédias da família desde que o Ministério Público começou a perseguir Edgar, a pressioná-lo e ameaçá-lo para obrigá-lo a assinar um testemunho falso. Não pude mais que me condoer dessas vidas destruídas por culpa das máfias que se enquistam no sistema judiciário da Colômbia. Fizemos uma boa amizade com Edgar e Fernando. Assim que, tempos depois, quando propus a Edgar que fosse contar na Procuradoria o lhe sucedia, confiou em mim e assim fez. Igualmente confiou em que eu jamais – enquanto ele estivesse vivo – publicaria fotografias suas.
Porém, talvez o mais duro ele viveu quando insisti que fosse até o tribunal 55, que levava o processo do Palácio,
contra o coronel Sánchez. Negou-se várias vezes, discutimos fortemente e disse que por culpa da perseguição estatal estava sem trabalho, passando fome, com sua família destruída, e ele se escondendo como se fosse um criminoso. Lembrou-me que quando foi à Procuradoria, o senhor Andrés Villamizar – diretor da UNP – lhe deu um esquema de segurança, e que desde a mesma UNP lhe haviam estendido uma armadilha para fazer-lhe uma emboscada no Ministério Público. Chegaram ameaças anônimas a ele e à sua família [2], enfim. Negou-se totalmente a fazer essa declaração, assim como havia se negado a falar com os meios de comunicação.
Depois de insistir muito mais, ele – que estava fora de Bogotá – conseguiu algum dinheiro e viajou como pôde. Entrou no tribunal para dar seu depoimento e lá o advogado Molano e o promotor do caso se encarregaram de tratar de esmagar a veracidade do cabo Villamizar, fazendo-lhe perguntas como qual era o número do seu telefone em novembro de 1985, que roupa usava nesse dia e muitas minúcias mais que nem Funes, o memorioso, lembraria. Ele se ratificou no essencial: não conhecia Plazas Vega, não havia estado no Palácio da Justiça no dia do assalto do M-19 (porque estava em Uribe, Meta) e que esse testemunho com o qual haviam condenado Plazas Vega não era seu, assim como a assinatura que estava ali tampouco era a sua, que o haviam usurpado. Ratificou também que jamais havia estado com a promotora Ángela María Buitrago no dia da suposta diligência, e que tampouco a conhecia pessoalmente. Contudo, pediram-lhe que pusesse sua assinatura em vários papéis para cotejá-la com a do falso testemunho.
Porém, a sacanagem do CTI, que todos já esperávamos, se produziu. Não cotejaram a assinatura tomada a Edgar Villamizar lá nesse tribunal, senão que pegaram a assinatura do falso testemunho e a cotejaram com outra assinatura falsa que a Promotora Buitrago tinha guardada em sua casa [3].
Desde então, Edgar e eu nos vimos três ou quatro vezes. O visitei no Meta, onde havia podido conseguir um emprego como instrutor no que ele sempre amou: defesa pessoal e todas as técnicas possíveis para proteger pessoas. Sabendo que o esquema de segurança poderia ser usado para espioná-lo, deixou seu filho Fernando porque o jovem também corria sério perigo, e ele preferiu mover-se por aí sem mais proteção que a sua própria.
Ultimamente ele e eu estávamos trabalhando em uma pista importante de uma terrorista do M-19 que esteve no assalto ao Palácio da Justiça e que saiu viva dali para se refugiar na Espanha onde vive atualmente. O mundo acredita que está morta, porém conseguimos sérios indícios de que continua viva.
Quando se conheceu a denúncia que a ex-Promotora Ángela María Buitrago me fez, falamos telefonicamente e ele me advertiu de que tivesse cuidado com ela uma vez que, me disse, continuava ligada ao M-19, quer dizer, ao Coletivo Alvear Restrepo e alguns de seus membros que são desmobilizados do grupo de bandidos trabalham nesse coletivo. “Volto a lhe dizer, Ricardo, Ángela María Buitrago é perigosíssima! Veja o que ela fez comigo”. Ele mostrou-se altamente preocupado por sua segurança e me perguntou o que eu pensava acerca da segurança de seu filho Fernando. Lhe disse que, honestamente, não saberia responder-lhe mas que o melhor era que Fernando considerasse seriamente a oportunidade de sair do país. Do mesmo modo que ele deveria fazer. – “Ricardo, irmão – me disse – você sabe que eu morrerei aqui na minha terra. Me parece muito canalha ir a outro país para não fazer nada. Aqui estou no meu [lugar]. Aqui estou começando a refazer minha vida. Não vou embora da Colômbia”.
E não se foi. Morreu de um enfarte, suspeito porque ele era um homem cheio de vida, sem vícios, que fazia exercícios freqüentemente e amava a vida ao ar livre. Porém, uma certeza eu tenho: mesmo que não o tenham enfartado, o Ministério Público da Colômbia o assassinou com sua perseguição infame, com suas montagens criminosas, com a destruição de sua vida e com a violação de todos os seus direitos.
Ainda lembro quando na entrevista com o Dr. Fernando Londoño, na saída, rompeu a chorar como um menino, aflito pela angústia de ser perseguido por todo o aparato estatal. E lembro quando voltou a chorar em outra agência de notícias norte-americana, perguntando-me angustiado até quando ia continuar essa tortura na qual o haviam afundado, a ele e ao Coronel Plazas Vega. “Explique-me, Ricardo! Por que me meteram nisto, se eu não tenho nada a ver?”, perguntava entre soluços. Não soube responder-lhe porque ainda hoje em dia não entendo.
Edgar Villamizar era um homem rude, experiente… mas humilde e simples. Por isso acreditaram que podiam usurpá-lo sem problema.
Paz na tumba de Edgar. Conservo os segredos que ele me contou e lembro de sua felicidade quando me confessou que estava muito apaixonado por uma mulher, essa que o acompanhou até o dia de sua morte, e que sua felicidade só estava empanada porque desejaria estar mais perto de Fernando, seu filho mais velho, mas que a perseguição do Ministério Público o havia obrigado a desaparecer para protegê-lo, desintegrando o núcleo familiar. A Fernando não somente arrancaram seu pai: destruíram sua família, senão que agora também o deixaram sem proteção. Fernando Villamizar, filho do cabo Villamizar, hoje fica a mercê da vingança criminosa dos que usurparam seu pai. Oxalá não sofra também de um enfarte ou algo estranho, no qual são tão experts os assessores do G2 cubano com quem este governo conta.
Adeus, Edgar! Algum dia se fará justiça no seu caso.
@ricardopuentesm
ricardopuentes@periodismosinfronteras.com
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Notas do autor:
[1] “El testigo estrella contra Plazas Vega: un chiste” em (https://www.periodismosinfronteras.org/el-testigo-estrella-contra-plazas-vega-un-chiste.html).
[2] “Ameaçam testemunha usurpada no caso de Plazas Vega” em (http://www.midiasemmascara.org/artigos/internacional/america-latina/12327-ameacam-testemunha-usurpada-no-caso-plazas-vega.html).
“Siguen amenazando a familiares de testigo suplantado en caso Plazas Vega” em (https://www.periodismosinfronteras.org/siguen-amenazando-a-familiares-de-testigo-suplantado-en-caso-plazas-vega.html).
[3] “Edgar Villamizar Espinel sí fue suplantado” em (https://www.periodismosinfronteras.org/edgar-villamizar-espinel-si-fue-suplantado.html).
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